Salim Lamrani Paris 29/01/2015
Os meios de comunicação ocidentais foram o eco da proibição de uma manifestação da oposição, sem lembrar que o mesmo acontece diariamente nas democracias ocidentais
A proibição da manifestação organizada pela artista plástica cubana Tania Bruguera, que mora nos Estados Unidos, prevista para o dia 30 de dezembro de 2014, na Praça da Revolução, lugar emblemático de Havana onde acontece a maioria dos eventos políticos oficiais, levantou muitas polêmicas e controvérsias. A imprensa ocidental apontou o dedo para o governo cubano, acusando-o de restringir a liberdade de expressão e de atentar contra os direitos fundamentais.[1]
A convocatória, sob cobertura da expressão artística denominada “o sussurro de Tatlin #6”, era, na verdade, uma plataforma política aberta aos setores da oposição, inclusive aos ligados à Seção de Interesses norte-americanos (SINA), que recebem financiamento de Washington para suas atividades. Várias iniciativas similares estavam previstas para o mesmo dia em Nova York e Miami. As autoridades da capital decidiram não outorgar uma permissão oficial a essa convocatória.[2]
O Conselho Nacional de Artes Plásticas (CNAP) de Cuba não se solidarizou com Tania Bruguera, acusando-a de instrumentalizar sua ligação com a instituição para organizar uma manifestação que não era artística, mas política. Por sua vez, a Associação de Artistas Plásticos da União de Escritores e Artistas de Cuba denunciou “uma provocação política” cujo objetivo é “se situar contra as negociações [entre Raúl Castro e Barack Obama] que dão esperança a muitos seres humanos, em primeiro lugar aos onze milhões de cubanos”.[3]
Ignorando a decisão das autoridades governamentais, Tania Bruguera decidiu manter sua convocatória, o que fez que a polícia a detivesse durante algumas horas por violar a decisão oficial, por resistência e desordem. A polícia também impediu que outras figuras da oposição, como Yoani Sánchez e seu marido, Reinaldo Escobar, participassem do acontecimento.[4]
Os Estados Unidos expressaram sua preocupação e condenaram a prisão de uma dezena de pessoas. O Departamento de Estado publicou um virulento comunicado contra o governo de Havana: “Condenamos energicamente o acosso contínuo por parte do governo cubano e o recurso reiterado à detenção arbitrária, às vezes com violência, para silenciar os críticos, perturbar as reuniões pacíficas e a liberdade de expressão e intimidar os cidadãos”.[5]
Entretanto, o que a imprensa ocidental e Washington omitem é que Tania Bruguera teria sido presa em qualquer democracia ocidental. Conseguir uma autorização das autoridades para se manifestar é um requisito indispensável. Na França, por exemplo, onde se rejeitam centenas de petições de manifestação todas as semanas, está terminantemente proibido organizar uma agrupação sem o acordo escrito do departamento de polícia. A petição tem de ser feita “pelo menos um mês antes da data da manifestação” e “este prazo será de três meses como mínimo, se o evento projetado for agrupar muita gente”.[6]
Por outro lado, “cada petição deve conter toda a informação útil sobre o organizador (pessoa física ou jurídica) e sobre a manifestação (natureza, data, lugar, horário, número de participantes…)”. Na França, os organizadores de manifestações são penalmente responsáveis por todos os danos que o evento possa causar. O departamento de polícia insiste nesse ponto: “o organizador deve assumir a tarefa da segurança geral no local dedicado à manifestação. No caso de danos por imprudência ou negligência, a responsabilidade civil, inclusive penal, do organizador pode ser invocada tendo por base o artigo 1382 e os seguintes do Código Civil e os artigos 121-1, 121-2, 223-1 e 223-2 do Código Penal”.[7]
Assim, durante o verão de 2014, a França foi o único país do mundo que proibiu as manifestações de solidariedade à Palestina depois da mortífera agressão de Israel contra Gaza. A polícia dispersou violentamente os manifestantes e realizou dezenas de detenções. A justiça sancionou severamente várias pessoas por violar a proibição.[8]
A negativa das autoridades cubanas em dar a autorização é facilmente compreensível. A Praça da Revolução agrupa as sedes do governo, do Comitê Central do Partido Comunista e das Forças Armadas. Na França, seria impensável uma manifestação em frente ao Palácio do Eliseu, onde mora o presidente da República.
Outra vez, um acontecimento banal — uma manifestação não autorizada e a detenção dos protagonistas que não respeitaram a decisão das autoridades — que passaria despercebida em qualquer outro país do mundo, é o primeiro plano da imprensa internacional quando se trata de Cuba. Isso é bastante ilustrativo do nível de imparcialidade dos meios de comunicação nas democracias ocidentais.
Salim Lamrani é doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro Cuba, the Media, and the Challenge of Impartiality, New York, Monthly Review Press, 2014, com prólogo de Eduardo Galeano.
[1]Nora Gámez Torres, « La artista Tania Bruguera está detenida en Cuba », El Nuevo Herald, 31 de dezembro de 2014.
[2]Ibid.
[3]UNEAC, « Declaración de la Presidencia de la Asociación de Artistas Plásticos de la UNEAC », 30 de dezembro de 2014.
[4]EFE, “Tania Bruguera está detenida por resistencia y desorden, según Policía cubana”, 31 de deembro de 2014.
[5] Jeff Rathke, « Detention of Activists », U.S. Department of State, 30 de dezembro de 2014. http://www.state.gov/r/
[6] Préfecture de Police de Paris, « Manifestation sur la voie publique ou sur tout espace ouvert au public », Ministère de l’Intérieur. http://www.
[7]Ibid.
[8] Charlotte Oberti, « Manifestation en soutien de Gaza interdite à Paris : des dizaines d’interpellations », France 24, 19 de julho de 2014. http://www.france24.com/